Vaias e protestos a favor do meio ambiente e contra o governo

Ministro é recebido com indignação na Semana do Clima. Cebds encaminha ao governo proposta para destravar mercado internacional de carbono

Por Liana Melo | ODS 13 • Publicada em 22 de agosto de 2019 - 11:31 • Atualizada em 22 de agosto de 2019 - 18:45

Em um evento em Brasília, no início do mês, o ministro Ricardo Salles fala sobre o desmatamento e tenta explicar o inexplicável. Foto Mateus Bonomi/AGIF
Em um evento em Brasília, no início do mês, o ministro Ricardo Salles fala sobre o desmatamento e tenta explicar o inexplicável. Foto Mateus Bonomi/AGIF
Em um evento em Brasília, no início do mês, o ministro Ricardo Salles fala sobre o desmatamento e tenta explicar o inexplicável. Foto Mateus Bonomi/AGIF

Sob vaias, a passagem relâmpago do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na manhã, de ontem, no penúltimo dia da Semana do Clima América Latina e Caribe 2019, em Salvador, deixou uma certeza no ar. Ele não voltaria hoje para receber do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds) o conjunto de contribuições do setor  para destravar o mercado de carbono a nível internacional. Em maio, Salles anunciou o cancelamento do evento , já que o Brasil havia desistido de sediar a Conferência do Clima da ONU (COP-25), mas depois  voltou atrás.  Mais tarde, já no Mato Grosso, o ministro atribuiu os incêndios que acometem a região ao calor, à baixa umidade e ao vento forte, e disse que a área urbana é a mais atingida. Mais cedo, na entrada do Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro, acusou, sem provas, as ONGs de estarem envolvidas que as queimadas que afetam a Amazônia: “Pode estar havendo, não estou afirmando, ação criminosa desses ongueiros para exatamente chamar a atenção contra a minha pessoa, contra o governo do Brasil. Essa é a guerra que nós enfrentamos. Vamos fazer o possível e o impossível para conter esse incêndio criminoso”, concluiu.

Na ausência de Salles, o documento do Cebds será entregue aos representantes dos ministérios do Meio Ambiente, Agricultura, Economia e Energia Elétrica presentes ao encontro. Apesar de os  países terem concordado com as regras para dar vida ao Acordo de Paris – o maior tratado já firmado a favor do combate às mudanças climáticas –, algumas lacunas continuam pendentes, e uma delas é o artigo 6, um mecanismo de mercado que estimula a cooperação entre os países para que as metas climáticas sejam atingidas. A intenção é de esse artigo seja, finalmente, aprovado na COP-25, que vai ocorrer no Chile, em dezembro.

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“A vantagem competitiva do Brasil na oferta de redução de emissão de gases do efeito estufa é uma oportunidade para atrair investimentos privados nacionais e internacionais e incentivar o desenvolvimento tecnológico do país”, afirmou Marina Grossi, presidente do Cebds, entidade que reúne 60 dos maiores grupos empresariais do país, com faturamento equivalente a 45% do PIB. A preocupação corrente no setor industrial, diz ela, é que o país fique isolado do mundo, dado que, com ou sem o aval do Brasil, os entraves do artigo 6 deverão ser superados pelos negociadores da  COP-25.

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A vantagem competitiva do Brasil na oferta de redução de emissão de gases do efeito estufa é uma oportunidade para atrair investimentos privados nacionais e internacionais e incentivar o desenvolvimento tecnológico do país

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No documento do Cebds é um conjunto de sete proposições. Entre elas, a sugestão de maximizar investimentos privados nacionais e internacionais para cumprimento da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) do país, que visa reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% em 2030 relação ao nível registrado no ano de 2005. Outra ideia é estabelecer regras que não criem custo de transação e permita a transição e a segurança jurídica das atuais reduções já realizadas. A entidade sugere ainda que o país desenvolva uma estrutura contábil transparente, simples e eficiente afim de evitar bitributação. As outras propostas são a garantia de uma transição e segurança jurídica das atuais reduções que o país já realizou no período do Protocolo de Quioto.

Apesar do reconhecido protagonismo do Brasil na elaboração do artigo 6; na hora de votá-lo, o Brasil foi contra. É que os negociadores brasileiros defendiam posições que iam de encontro às propostas de outros países. Ao barrar a votação, a delegação brasileira ganhou o apoio dos Estados Unidos, Japão e Arábia Saudita – países que tinham interesse em travar as negociações do clima. Dado o impasse, a decisão foi adiada para este ano.

Protesto da ONG 350.org na Semana do Clima. Foto de Paulinne Gitthorn/ 350.org
Protesto da ONG 350.org na Semana do Clima. Foto de Paulinne Gitthorn/ 350.org

Em meados do ano passado, o Cebds entregou ao então ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, uma proposta de mecanismo de precificação de carbono para a indústria brasileira. Só que o governo mudou e não se sabe até agora, oito meses depois da posse, qual é a posição do presidente Bolsonaro e de sua equipe.

Pelo curto currículo apresentado até aqui, os sinais emitidos dão conta de um verdadeiro desastre na política ambiental. Nos primeiros dias da Semana do Clima, a coordenadora-geral de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas da Secretaria de Política Econômico do Ministério da Economia, Ana Luiza Champloni, deu declarações que vão ao encontro das reivindicações do setor industrial – o problema é que dada a postura errática e negacionista do governo quanto à crise climática, não ficou claro se era uma posição pessoal ou institucional.

Na narrativa anti-clima adotada pelo governo, até mesmo a Semana do Clima em Salvador ficou por um triz. O evento, no entanto, acabou sendo alvo de atenção mundo afora, menos pelo ativismo do governo para combater as mudanças climáticas e mais pelas imagens da floresta ardendo em chamas – numa espécie de efeito rebote, o encontro ganhou robustez e  mais visibilidade.

Num discurso rápido, que durou cerca de três minutos, Salles concorreu com os gritos de ativistas do movimento Não Fracking Brasil e 350.org. Da plateia, ecoavam os berros de “assassino” e “fascista”, enquanto o ministro tentava explicar o inexplicável: “Nós fomos convencidos pelo prefeito a fazer o evento, o que permitiu que as senhoras e os senhores estejam aqui”.

É que, três meses antes, Salles havia dito que não fazia sentido a realização do encontro, dado que o presidente Bolsonaro tinha desistido de sediar a COP-25 no Brasil. À época, honrando a pecha de antiministro que recebera de técnicos, ambientalistas e parlamentares devido o desmonte da política ambiental, afirmou: “Vou manter um encontro que vai preparar um outro? Vou fazer uma reunião para a turma ter oportunidade de fazer turismo em Salvador? Comer acarajé?”

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Não podemos fechar os olhos para as metas do Acordo de Paris. O Brasil é um dos signatários desse tratado

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O encontro só ocorreu porque o prefeito de Salvador e presidente do DEM, ACM Neto, abriu as portas da cidade para sediar a reunião. Num discurso longo e recheado de referência à diversidade e o compromisso com o meio ambiente, propôs o combate à crise climática “acima, das questões políticas e ideológicas,  todos estejam unidos pela proteção do meio ambiente e do futuro do Planeta”. E concluiu: “Não podemos fechar os olhos para as metas do Acordo de Paris. O Brasil é um dos signatários desse tratado”.

O diretor da agência de mudanças climáticas da ONU, Martin Frick, pegou carona, e, em poucas palavras, lembrou o protagonismo brasileiro nas negociações climáticas.

Antes de subir ao palco por Frick, Salles deu breves declarações: “Depois do almoço, vamos diretamente para a Amazônia fazer uma vistoria in loco junto com o governo do Mato Grosso, que é onde vem ocorrendo a maior quantidade dos pontos de queimada. É uma situação realmente preocupante, agravada pelo clima seco, pelo calor. Nós vamos atuar, tanto o ICMBio quanto o Ibama estão com todas as suas equipes de brigadistas, equipamentos, aeronaves e recursos disponíveis para apoiar os governos dos estados nesse combate às queimadas”.

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Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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