Desmatamento com dinheiro público

Instituto Escolhas mostra que país gasta por ano R$ 12,3 bilhões em subsídios, incentivos, créditos rurais, renúncias fiscais, impostos, anistias e perdões de dívidas para alimentar cadeia produtiva da carne

Por Liana Melo | ODS 13 • Publicada em 14 de outubro de 2021 - 10:37 • Atualizada em 20 de outubro de 2021 - 08:23

Atualmente, cinco empresas absorvem a produção de carne certificada do Pantanal, cujo rebanho é de 50 mil cabeças.Foto Andre Dib/WWF-Brasil

Entre subsídios, incentivos, créditos rurais, renúncias fiscais, impostos, anistias e perdões de dívidas da cadeia produtiva da carne bovina foram gastos num período de dez anos, entre 2008 e 2017, R$ 123 bilhões dos cofres públicos. Esse conjunto de benesses representou 9,7% do preço médio do quilo da carne bovina, ou seja, esse é percentual que cada brasileiro pagou com dinheiro público em um quilo de carne que chegou à mesa do consumidor. Por ano, os benefícios dados aos pecuaristas e desmatadores custaram aos cofres públicos R$ 12,3 bilhões.

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Hoje, Dia Nacional da Pecuária, o Instituto Escolhas lançou a campanha “Do Pasto ao Prato: subsídios e pega ambiental da carne bovina”. Se a própria ministra da Agricultura, Tereza Cristina, já afirmou que “as pessoas não precisam desmatar para comer, você pode aumentar a produtividade por área, essa é uma das vantagens comparativas do Brasil”, por que o Brasil continua financiando o desmatamento com dinheiro público?

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Para responder à pergunta, o estudo escrutinou a cadeia produtiva da carne bovina, do nascimento do bezerro até à mesa do consumidor, durante uma década. As análises contemplaram os impactos econômicos, traduzidos na forma de impostos e subsídios concedidos pelos governos estaduais e federal. O Instituto Escolhas também dimensionou o impacto ambiental, calculando as pegadas carbono do setor, incluindo as emissões e remoções de gases de efeito estufa (GEE), e a hídrica, com dados do consumo de água.

Mesmo causando um alto impacto ambiental, o setor foi beneficiado com um conjunto de subsídios, que corresponderam a 79% do que foi arrecadado em impostos no período de 2008 a 2017.  Ou seja, dos R$ 15,1 bilhões arrecadados na forma de impostos, R$ 12,3 bilhões retornaram como subsídios para o setor. Só o ICMS representou 28,6%, sendo o restante dos impostos relativos à esfera federal.

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O governo deve fazer a sua parte e negar financiamento para quem desmata. É o jeito certo de mostrar que o dinheiro público não financia o desmatamento

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“O governo deve fazer a sua parte e negar financiamento para quem desmata. É o jeito certo de mostrar que o dinheiro público não financia o desmatamento”, defende Sérgio Leitão, diretor executivo do Escolhas. Para ele, há bons exemplos na pecuária porque já tem gente produzindo direito, usando áreas que já foram desmatadas e aumentando a produção com respeito ao meio ambiente. “É possível zerar o desmatamento, sem impactos na economia, e investir na expansão da produção usando as áreas já abertas para pasto, hoje subutilizadas”.

Aos números: com um rebanho de mais de 183 milhões de cabeças de gado de corte, a cadeia da bovinocultura de corte representou, em 2017, 2,9% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil e 13,9% do PIB do agronegócio. No período estudado, constatou-se que a pegada de carbono média de um quilo de carne bovina foi de 78 quilos de CO2, considerando todas as regiões do país. Em algumas áreas produtivas, como o Matopiba, por exemplo, que abrange o Maranhão, Tocantins, Piauí e parte da Bahia, a pegada de carbono foi mais que o dobro da média nacional: 183 quilos de CO2eq por quilo de carne bovina. Na Amazônia Legal, o volume de emissões chegou a 145 quilos de CO2eq por quilo de carne.

Soma-se a esses valores as emissões oriundas da conversão da Floresta Amazônica em pasto, que representou 22% das emissões brasileiras de CO2, ou seja, 453 milhões de tCO2. Na década estudada, a pegada hídrica foi de 64 litros de água por cada quilo de carne bovina o país.

Arte de Fernando Alvarus
Arte de Fernando Alvarus

No estudo “Seu dinheiro está destruindo florestas tropicais ou violando direitos humanos?”, a Forest&Finance aponta que o “Banco do Brasil é, de longe, o maior financiador de empresas de commodities com risco de desmatamento no Brasil (30 bilhões de dólares) devido ao seu papel como o maior operador do Crédito Rural”. E ainda que “o BNDES foi o maior provedor de investimentos para empresas de risco de desmatamento operando no Brasil” e que “mais da metade dos investimentos do BNDES foi direcionada ao setor de carne bovina”.

 

 

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Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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