(Por Thábara Garcia, especialista em políticas públicas e pesquisadora) – As narrativas do poder público têm sido cada vez mais questionadas em sua capacidade de interpretar a realidade social. São discursos que têm, muitas vezes, um efeito perverso para quem mora em favelas e periferias, uma vez que legitimam discursos estigmatizantes sobre estes territórios e seus moradores. Por isso, o livre acesso à informação continua sendo importante ferramenta na luta para a implementação de políticas públicas mais abrangentes. E se as narrativas oficiais não dão mais conta de uma nova realidade cheia de desafios, é preciso mobilização para construção de discursos e abordagens. Nesse sentido, a Casa Fluminense criou um instrumento de monitoramento que democratiza a informação e possibilita contribuições mais efetivas para a análise da conjuntura na Região Metropolitana do Rio: o Painel Agenda Rio 2030.
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Veja o que já enviamosÉ um conjunto de propostas de políticas públicas que tem como prioridades a ampliação da cidadania e o aprimoramento da democracia, a redução das desigualdades e a expansão das oportunidades, o desenvolvimento sustentável e a convivência harmoniosa na Região Metropolitana. Diante disso, o trabalho de monitoramento proposto pela Casa Fluminense apresenta um diagnóstico de cada proposição, aponta seu status atual no que tange aos poderes Legislativo e ao Executivo, e, por fim, lista as iniciativas da sociedade civil, ilustrando caminhos que queremos e precisamos trilhar para garantir integração, sustentabilidade e inclusão. A pretensão do portal é ser reconhecido como espaço confiável e eficaz para o acompanhamento das políticas públicas territoriais da Região Metropolitana do Rio. Com esse objetivo, compila dados quantitativos ou qualitativos, bem como informações e narrativas sobre cada proposta. Um espaço reflexivo para pesquisadores, jornalistas, ativistas e sociedade civil em geral.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]O portal quer ser reconhecido como espaço confiável e eficaz para o acompanhamento das políticas públicas territoriais da Região Metropolitana do Rio
[/g1_quote]Em 2012, durante o governo Dilma Rousseff, a Lei de Acesso à Informação (nº 12.527/2011) entrou em vigor. Além de regulamentar a transparência na gestão pública, garantiu, ao menos na teoria, o acesso a informações públicas para qualquer cidadão. Apesar disso, são recorrentes as dificuldades para chegar aos dados: da falta de sistemas eletrônicos que possibilitem esse acesso à falta de capacitação dos funcionários públicos para lidar com esse tipo de demanda, passando por irregularidades nas respostas aos pedidos de informação, pela ausência de fiscalização e pelas negativas de informações em função de um alegado “sigilo” (argumento muito usado por instituições ligadas à segurança pública). São entraves que representam barreiras concretas para os cidadãos terem acesso aos dados públicos e poderem monitorar, por exemplo, o que acontece com o orçamento de seu município. Afinal, por que a creche prometida na eleição não ficou pronta? Cadê a água da torneira? E o hospital que não tem vaga para atender o familiar querido? Ou seja, a dificuldade de acesso à informação é uma grande pedra no caminho de quem se interessa pela gestão pública.
Mais do que necessárias, estas são ferramentas importantes para se pensar em qualquer mudança. Infelizmente, é preciso chamar a atenção para as mortes dos jovens negros na Baixada sob a tutela de uma política genocida que insiste no confronto, em vez de adotar a inteligência. É preciso refletir sobre o número crescente de profissionais fora do mercado formal, sintoma de um Rio estagnado e desindustrializado, no qual a pouca oferta de trabalho está concentrada na capital. Faltam vagas em creches, na Zona Oeste e na Baixada Fluminense. Postos de saúde de pronto atendimento de baixa complexidade foram fechados. Os Centros de Atenção Psicossocial não pagam em dia os salários dos psicólogos e assistentes sociais. As escolas na Maré perderam mais de 30 dias de aula em 2018, por causa das operações policiais, deixando crianças em casa ou na rua. A política de habitação no Rio, uma das cidades mais caras para se viver no mundo, não dá conta do déficit habitacional. Com isso, cresce o número de pessoas em situação de rua. As favelas seguem sem urbanização e sofrendo com doenças medievais.
No transporte público, faltam investimento e regulação. É fácil contabilizar tragédias diárias na SuperVia, empresa que administra o sistema ferroviário. Os ônibus não têm ar condicionado e estão infestados de baratas. As obras do BRT só encarecem e não terminam. A estação da Gávea na superfaturada Linha 4 do metrô, que leva poucos gatos pingados da Barra da Tijuca para a Zona Sul do Rio, tem mais importância do que a linha para socorrer centenas de milhares de moradores até São Gonçalo, segunda cidade mais populosa do estado. Quantos “acidentes” precisarão existir para que o usuário do trem tenha dignidade? Há ainda a Baía de Guanabara que sofre até hoje com o despejo de milhares de litros de esgoto não tratados por dia, a falta de água na Baixada Fluminense, as enchentes que, todo ano, deixam várias vítimas e a certeza de que é preciso obras urgentes de drenagem e de contenção de encostas.
O exercício de monitorar não consiste apenas em acompanhar a produção legislativa e os atos do Executivo, mas também em observar o que acontece nas ruas, em imaginar o que fará da cidade um espaço melhor. Monitorar tem como sinônimo os verbos “considerar” e “acompanhar”. E nessa trilha, é possível se deparar com histórias incríveis.
Encontramos, por exemplo a experiência da índia Niara do Sol, que ao ser removida da Aldeia Maracanã criou uma horta em um condomínio do Minha Casa, Minha Vida, no Centro. Sua horta comunitária é um exemplo de como é possível se adaptar às dificuldades em meio aos desafios. Por que não podemos dizer que a horta da Niara é um exemplo de agricultura familiar, economia solidária, prevenção a doenças, manutenção da memória dos povos tradicionais, entre outras coisas? Também conhecemos a Fátima, a Jovelita e outras mulheres fortes de Jardim Gramacho, que estão até hoje, sete anos depois do fechamento do aterro sanitário, lutando pelos direitos dos catadores e dos 27 mil moradores do bairro. Acompanhamos o projeto Lata Doida, que há anos vêm lutando para a implantação do Parque Verde em Realengo. e conhecemos a dona Cida, moradora do bairro há 85 anos que nos contou como a fábrica de pólvora funcionava em sua infância e como a construção de um condomínio pode afetar a memória do bairro.
Na Maré, existe o “CocoZap”, iniciativa do Data_Labe em parceria com a Casa Fluminense e a Redes da Maré que usa o WhatsApp para mapear, com a ajuda dos moradores, os problemas decorrentes da falta de saneamento básico na Nova Holanda.Todas estes problemas e histórias estão no Portal de monitoramento da Agenda Rio 2030, espaço onde temos a leitura de como a administração pública e a sociedade civil lidam com uma agenda global que se estabelece como ponto de partida para o desenvolvimento social e territorial. Os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU servem de parâmetro para o desenvolvimento pleno das potencialidades dos indivíduos e para a (re) construção de comunidades sustentáveis.
Assim, encerro com o convite para que reforcemos nos nossos bairros, nos nossos territórios de atuação, nas faculdades, nos podcasts e nos bares, a importância do exercício de monitoramento de temas que impactam diretamente a vida das pessoas. É preciso fortalecer uma cultura de transparência, fomentar um debate qualificado sobre as pautas de interesse público, além de promover um exercício de cobrança, principalmente àqueles em que confiamos o nosso voto. E que o Painel Agenda Rio 2030 sirva para qualificar os tomadores de decisão, os pesquisadores, os ativistas e toda a sociedade, para interferir e orientar o debate da gestão pública.