Maracatu rompe barreiras e atravessa gerações guiado por jovens mestres

Em Pernambuco, formação de jovens em escolas e projetos sociais traz novo fôlego à manifestação cultural de origem africana

Por Adriana Amâncio | ODS 12 • Publicada em 13 de dezembro de 2024 - 09:13 • Atualizada em 16 de dezembro de 2024 - 08:33

Caboclo de lança, personagem de linha de frente do Maracatu Rural, representa um guerreiro indígena – Foto: Hansfotos, CC BY-SA 4.0 via Wikimedia Commons

O maracatu é uma manifestação cultural cunhada no sincretismo, que representa a forma como os africanos, quando submetidos à escravidão no Brasil, passaram a celebrar suas raízes. Surgido em Pernambuco na época colonial, os maracatus se tornaram uma tradição composta por velhos brincantes. O futuro dessa tradição, que a partir de 2025 será celebrada em âmbito nacional, vem sendo esculpido pelas mãos de novos mestres, que reavivam a prática com energia, compromisso e inspiração.

Leu essa? A Rua da Carioca, a cerveja e a reeleição do prefeito Paes

Em Nazaré da Mata, cidade da região da Mata Norte de Pernambuco, localizada a 51 km de Recife, o maracatu estava reduzido a velhos brincantes. Um assinte considerando que a cidade de pouco mais de 30 mil habitantes teve o seu nome projetado para o mundo por ser considerada a capital do Maracatu.

“Antes, a faixa etária dos brincantes era de 35 a 60 anos. Diziam que maracatu era coisa de velho”, reforça Lezildo José dos Santos, 28 anos. Conhecido como Mestre Bi, ele é responsável ao lado do Mestre Anderson Miguel, pela nova geração de líderes que têm mantido o legado do maracatu rural, evitando que a tradição seja apenas uma lembrança no título que carrega a cidade.

Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.

Veja o que já enviamos

Pelas mãos do Mestre Barachinha, ele foi aprendendo a conduzir até assumir o comando do Maracatu Estrela Brilhante, tradicional grupo fundado em 2001. O maracatu de baque solto é uma tradição que mescla as origens africana e indígena. O cortejo percorreu, originalmente, as estradas de chão batido que cortavam os canaviais da Zona da Mata.

A brincadeira surge como um modo de diversão dos trabalhadores rurais, muitos dos quais atuavam nas lavouras de cana – de – açúcar e, após jornadas extensas de trabalho precário, seguiam em cortejo como forma de lazer.

Mestre Bi, à frente do Maracatu Estrela Brilhante, renova essa tradição em Nazaré da Mata, capital estadual do Maracatu. Foto: Hugo Muniz

A trupe colorida e musical é composta pelo caboclo de lança, guerreiro com cravo na boca e que vem na linha de frente, tem ainda o caboclo de pena,  sombreiro com o rei e a rainha, baianas, mateu, catirina.

O ritmo que anima o cortejo é produzido por instrumentos como  chocalho, caixa, bombo e gonguê. Mestre Bi se diz empolgado com a celebração do Dia Nacional do Maracatu, mas defende que a data não seja apenas uma celebração. “Eu espero que a data fomente mais investimentos para o maracatu, fazendo com que ele funcione o ano todo e não apenas no carnaval. É uma forma de valorizar a arte”, observa.

Cabe ao mestre reger esse cortejo, entoando cânticos e improvisando versos com temas sociais. “O maracatu rural mudou a minha vida da água para o vinho. Eu viajei pela Europa apresentando o ritmo. Gravei álbuns, fui premiado. O maracatu rompeu barreiras na cidade”, comemora.

A mestra Cristiane Silveira criou o Maracatu Estrela da Jacy formado por crianças para não deixar a tradição morrer. Foto: Arquivo Pessoal

Na sala de aula

Em outro ponto da Zona da Mata, no município de Vicência, distante 86 km do Recife, o maracatu de baque solto foi parar na sala de aula. A professora e pesquisadora Cristiane Silveira, 43 anos, começou a pesquisar sobre os maracatus durante a pós – Graduação em História e, assim, em 2010, criou o Maracatu Estrela Jacy.

Formado por estudantes da Escola Municipal Jacy Estelita Guerra, o projeto se tornou uma fonte para que surgissem novos mestres. “O trabalho foi bem recebido, a música atrai as crianças e dá para aliar o trabalho pedagógico e prático. É uma iniciativa para não deixar a tradição morrer”, comenta orgulhosa.

O envolvimento de Cristiane com o maracatu não se limita ao trabalho com as crianças. Ela é a segunda mulher a se tornar mestra de um maracatu rural. Neste caso, o Maracatu Coração Nazareno, fundado em 2004, o primeiro formado apenas por mulheres. Cristiane mantém vivo o legado da Mestra Gil, a primeira a liderar um cortejo de baque solto na região.

Como não poderia deixar de ser, o papel da mulher na sociedade e a prevenção a violência de gênero estão entre os temas sociais mais abordados nos improvisos das apresentações do Coração Nazareno. “Nós também falamos sobre empoderamento e evolução da mulher”, complementa  a Mestra.

Felipe França e a nova geração de adeptos do Maracatu baque virado integrantes do Grupo Batá Kassô – Foto: Arquivo Pessoal

Intolerância religiosa

Todo Maracatu é uma comunidade religiosa. Há cortejos que não estão atrelados a uma comunidade religiosa de matriz africana ou indígena, por isso, não atrelam à manifestação às ritos espirituais. Alguns maracatus rurais, por exemplo, fazem oferendas e pedem bênçãos aos orixás e encantados antes de iniciarem uma série de apresentações, como ocorre no carnaval.

O grupo Batá Kassô, criado em 2012 pelo músico e salvaguarda da Cultura Popular Felipe França, de Olinda, Região Metropolitana do Recife, é uma fusão de tradições religiosas africanas e indígenas. Ele é responsável por gerar diversos novos mestres e componentes que vêm perpetuado o maracatu nação, conhecido como baque virado.

O maracatu nação representa a coroação dos reis africanos, é típico de áreas urbanas e a batucada que o conduz possui um som mais acelerado. Essa manifestação é fruto das referências culturais da junção de todos os membros das nações africanas, que ao serem trazidos para o Brasil se misturaram e sofreram a influência de outras religiões e culturas. “O maracatu é uma representação de sincretismo religioso”, reforça Felipe França.

O seu cortejo traz porta estandarte, lanceiros, vassalos, dama do buquê, orixás, dama do paço, empunhando a calunga, e o príncipe e a princesa. “Muitas das crianças e adolescentes que tiveram o primeiro contato com o maracatu através do grupo, hoje, possuem grupos próprios ou integram grupos tradicionais do Recife e Olinda”, comenta orgulhoso.

Mas esse não é o único fruto do Batá Kassô, comenta o instrutor. O respeito às religiões de matriz africana e de origem indigena se tornou algo comum entre elas. “O projeto ajudou as crianças a sentirem orgulho da religião e ancestralidade”, afirma.

O desejo de propagar essa arte entre crianças e adolescentes brotou no coração de Felipe França, após ele próprio ver a sua vida mudar ao integrar diversas nações. Ele começou no Projeto Sementes da Nação, promovido pelo Maracatu Nação Coroado e passou por outros cinco grupos.

Formou-se em teoria musical ao integrar os Centros de Artes Criativas do Centro de Música de Olinda (Cemo) e Escola de Artes João Pernambuco. A mesma música que o transformou, ele oferece a outros jovens negros e pardos da periferia de Olinda.

Mais Lidas

Nenhum dado até agora.

Adriana Amâncio

Jornalista, nordestina do Recife. Tem experiência na cobertura de pautas investigativas, nas áreas de Direitos Humanos, segurança alimentar, meio ambiente e gênero. Foi assessora de comunicação de parlamentares na Câmara Municipal do Recife e na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Foi assessora da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e, como freelancer, contribuiu com veículos como O Joio e O Trigo, Gênero e Número, Marco Zero Conteúdo e The Brazilian Report.

Newsletter do #Colabora

A ansiedade climática e a busca por informação te fizeram chegar até aqui? Receba nossa newsletter e siga por dentro de tudo sobre sustentabilidade e direitos humanos. É de graça.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe:

Sair da versão mobile