O jornalista Glenn Greenwald afirmou, neste sábado, que o Ministro da Justiça, Sergio Moro, liderou uma facção que exerceu o poder por cinco anos. A declaração foi dada durante o debate “O trabalho do jornalista: vazamentos, prospecção de dados e tecnologia”, parte da programação do Festival 3i, na Fundição Progresso. Segundo Glenn, Moro era o líder da força-tarefa da Lava Jato, coordenando as ações dos procuradores. A forte fala do americano ocorreu no mesmo dia em que ele publicou a 22ª reportagem da série #VazaJato no The Intercept Brasil (TIB), questionando se Moro também era chefe da Polícia Federal enquanto era juiz, já que teria coordenado operações da PF, ordenando inclusive busca e apreensão na casa de suspeitos sem aprovação do Ministério Público.
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“Tem uma facção dentro desse país que é muito poderosa. Essa facção conseguiu exercer o poder durante 5 anos sem ser questionada, investigada, desafiada. Estou falando sobre a facção liderada pelo ex-juiz e agora ministro da Justiça, Sergio Moro, e a equipe dele, os procuradores da força-tarefa Lava Jato. Agora sabemos que ele era o chefe da força-tarefa. Sabemos que essa facção é muito poderosa. Eles conseguiram botar na prisão, por muitos anos, tirando a liberdade, de muitas pessoas, políticos, empresários, inclusive conspirando para ajudar a tirar a presidente eleita desse país, Dilma Rousseff, conspirando abertamente para ajudar isso. E também botou na prisão o ex-presidente que estava liderando todas as pesquisas nas eleições de 2018. Isso é muito poder”, disse Glenn.
O jornalista norte-americano destacou a importância da imprensa livre para a democracia e questionou o papel da maioria dos veículos de mídia brasileiros, que, segundo ele, foram apoiadores da Lava Jato sem questionar seus procedimentos. Boa parte da imprensa que hoje questiona a publicação das mensagens vazadas do Telegram de autoridades pelo TIB também já lançou mão de expediente similar ao publicar delações e informações sob sigilo vazadas por procuradores, juízes, policiais federais e outras autoridades.
“Acho, como cidadão, que não tem nada mais perigoso para uma democracia do que deixar uma facção poderosa exercer poder sem ser questionada, investigada, desafiada. Esse é o papel mais nobre da imprensa livre. Ninguém é tão benevolente que possamos confiar para exercer poder sem transparência e investigação. Infelizmente, nos últimos 5 anos, a grande mídia brasileira – com poucas exceções – não fez esse papel, mas o oposto: se comportaram como parceiros, ajudando, aplaudindo tudo o que eles fizeram. Acreditando em tudo que falavam. Isso é muito perigoso”, ele avaliou.
O caso Wahsington Post
Glenn conta que quando recebeu “o arquivo enorme com os segredos dessa fação poderosa” não havia outra alternativa que não fosse publicar o material. Para explicar a sua decisão, ele contou um caso em que o Washington Post recebeu documentos secretos roubados de um prédio do FBI na Pensilvânia, em 1971, por um grupo de oito ativistas. Segundo o jornalista norte-americano, o objetivo do grupo era comprovar a suspeita de que agentes estavam se infiltrando entre ativistas em defesa da igualdade racial para espioná-los. Eles enviaram o material ao Washington Post, informando que haviam descoberto um programa ilegal de espionagem contra cidadãos americanos, mas o jornal se recusou a publicar e entregou os documentos ao FBI.
“O jornal ligou para o FBI, disse que havia recebido documentos roubados e, como não era ético publicá-los, ia devolvê-los. Nos EUA, isso é considerado um dos episódios mais vergonhosos da história do jornalismo, pois o jornal se comportou como policiais. Mas havia um repórter que sabia que aquela decisão era errada. Ele lutou um ano contra os editores e finalmente persuadiu o Washington Post a reportar esse programa de espionagem. Esse jornalista informou ao público o que o governo estava fazendo contra a lei, e conseguiram impedir e parar com esse tipo de espionagem ilegal. O Congresso fez muitas leis para proibir esses tipos de espionagem”, contou Glenn. “Quando recebemos o arquivo da Vaza Jato, sempre soubemos que era nossa obrigação como jornalistas publicar essas informações de interesse público. Os resultados estão mostrando que era a única decisão correta que jornalistas de verdade poderiam tomar”.
“Os dados, assim como as pessoas, também mentem”
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Veja o que já enviamosTambém participante do debate, Giannina Segnini, Diretora do Mestrado em Jornalismo de Dados da Universidade de Columbia, em Nova York, falou sobre a importância de que os vazamentos sejam usados como ponto de partida para uma investigação mais ampla. Ela destacou que pessoas que vazam informações sigilosas podem ter interesses políticos e econômicos, sendo necessário, portanto, tomar cuidado para os jornalistas não serem manipulados.
“Trabalhei nos casos do WikiLeaks e do Panama Papers. Acredito no poder desses vazamentos. Mas tenho uma posição bastante crítica porque isso pode nos manipular. Por mais que seja de interesse público, é importante usar os vazamentos como ponto de partida para depois fazer uma investigação para buscar mais dados e ir mais além desse universo que está sendo vazado”, disse Giannina.
[g1_quote author_name=”Giannina Segnini” author_description=”Diretora de Mestrado na Universidade de Columbia” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Trabalhei nos casos do WikiLeaks e do Panama Papers. Acredito no poder desses vazamentos. Mas tenho uma posição bastante crítica porque isso pode nos manipular. Por mais que seja de interesse público, é importante usar os vazamentos como ponto de partida para depois fazer uma investigação para buscar mais dados e ir mais além desse universo que está sendo vazado
[/g1_quote]Ela também lidera o Columbia Journalism Investigations, uma equipe de pós-graduandos que investigam histórias colaborativas transfronteiriças usando dados. Em 1993, começou a investigar a corrupção na Costa Rica, seu país de origem. As reportagens comprovaram subornos pagos a três ex-presidentes. Em 2009, ela sugeriu modificar a unidade de investigação para trabalhar com dados, incorporando à equipe estatísticos, geógrafos, cientistas de dados e programadores. Giannina ressaltou a necessidade de colaboração entre jornalismo e tecnologia, mas também as dificuldades dessa relação:
“O jornalismo de dados é uma base para a apuração, para o uso de ferramentas jornalísticas. Desconfiar é fundamental no jornalismo: assim como as pessoas mentem, os dados também podem mentir”.
Empresas investigadas por trabalho escravo
Mediadora do debate, Natalia Viana, co-diretora da Agência Pública, falou da parceria com a ONG Repórter Brasil no projeto Por Trás do Alimento, sobre o uso de agrotóxicos no Brasil. Marcel Gomes, secretário-executivo da ONG coordenou pesquisas sobre impactos socioambientais da cadeia de produção agropecuária e de biocombustíveis. Ele chamou a atenção sobre os impactos causados por reportagens investigativas na reputação de grandes empresas.
“Várias marcas famosas tiveram envolvimento com trabalho escravo. Não basta apenas monitorar e mostrar o que está acontecendo. É preciso mostrar quem é responsável. Uma das estratégias é o monitoramento das cadeias produtivas. Não basta contar simplesmente que os problemas estão acontecendo. Essas investigações são complexas, baseadas cada vez mais na análise de dados. Organizar essas informações é muito importante para o jornalismo, construindo a própria base de dados”, disse Marcel.