Uma imersão na obra de Ariano Suassuna, o poeta do orgulho nordestino

"Auto da Compadecida 2" está em cartaz nos cinemas, e exposição revela o universo do escritor que apresentou ao mundo um Nordeste mítico, repleto de sabedoria e cultura

Por Adriana Amâncio | ODS 9 • Publicada em 2 de janeiro de 2025 - 09:51 • Atualizada em 13 de janeiro de 2025 - 09:51

Boneco de Ariano Suassuna em tamanho real, sentado em sua cadeira de balanço, onde teve as primeiras ideias que resultaram em obras admiradas no mundo todo. Foto: Arnaldo Carvalho

Quando ainda jovem, vivendo na pacata Taperoá, cidade a 246 km de João Pessoa, capital da Paraíba, Ariano Suassuna teve contato com a obra do escritor russo Leon Tolstoi, uma das grandes influências da sua carreira. A conhecida frase de Tolstoi “Se queres ser universal, começa por pintar a sua aldeia”, inspirou a obra deste dramaturgo, que pintou um Sertão e um Nordeste míticos, repletos de sabedoria, música e cultura para o mundo. Assim, ele rompeu com as abordagens de autores como Graciliano Ramos e Raquel de Queiroz, que, em seus clássicos, denunciaram a fome e a seca.

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Apesar de ter nascido na Paraíba, Ariano construiu uma carreira proeminente em Pernambuco. Recife, a capital do estado, foi o seu exílio após a morte do pai, João Suassuna, assassinado por conflitos políticos que ganharam ênfase em João Pessoa, nos anos 30. Na administração pública, atuou como Secretário de Cultura municipal e estadual por três vezes, quando criou o movimento Armorial, que por meio da fusão da cultura popular e erudita, difundiu a arte que emana do povo.

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Para quem quer conhecer mais sobre Suassuna, uma exposição está em cartaz no estado que o abraçou. Trata-se da mostra imersiva “O Auto de Ariano, o Realista esperançoso”, instalada no Shopping RioMar, no Recife. Com 13 ambientes, a exibição conduz o público por uma imersão pela vida e a obra do artista, que se encantou em julho de 2014, mas segue presente nos palcos da vida.

Em âmbito nacional, o filme o Auto da Compadecida 2, dá continuidade a saga de Chicó e João Grilo, personagens icônicos que materializam o Nordeste lúdico e filosófico ao qual Ariano dedicou 67 anos da sua vida. Essa obra, lançada em 1955, consagrou-se como a mais encenada do teatro brasileiro. Ela foi a porta de entrada para que o dramaturgo revolucionasse o mundo literário ao trazer, pela primeira vez, em 1957, um Jesus negro ao palco.

Matheus Nachtergaele em cena do Auto da Compadecida 2, obra de Ariano mais encenada no teatro e mais vivida no cinema. Imagem/ Reprodução Trailer oficial Auto da Compadecida 2
Matheus Nachtergaele em cena do Auto da Compadecida 2, obra de Ariano mais encenada no teatro e mais vivida no cinema. Imagem/ Reprodução Trailer oficial Auto da Compadecida 2

Sertanejo orgulhoso

Ariano Suassuna descobriu o seu propósito de vida em contato com a literatura, desbravando a biblioteca do pai, assassinado quando este tinha apenas três anos. “Meu avô, ao explorar a biblioteca do próprio pai, descobriu que nasceu para ser um defensor do povo nordestino através da cultura e da arte”, explica João Suassuna, neto dedicado a preservar e divulgar o legado do escritor.

Foi da observação da sua pequena Taperoá, que veio a inspiração para dar vida ao personagem João Grilo. “João Grilo é uma homenagem ao mentiroso oficial de Taperoá. O meu avô dizia que tinha afeição por mentirosos e doidos, pois ele dizia se considerar um deles. E que se identificava mais com Chicó, que é um leso sonhador, diferente de João Grilo, que é esperto e astuto”, esclarece João.

Para o ator Matheus Nachtergaele, intérprete do João Grilo, que está circulando o Brasil com a pré-estreia do filme, “ser o João Grilo é uma grande honra, um chamamento para a brasilidade e uma grande oportunidade para definir o palhaço que sou neste país. O João Grilo é provavelmente o meu melhor trabalho e aquele que me trouxe mais alegrias”.

De obra em obra, o paraibano foi refinando a sua mensagem sobre o Nordeste mítico. O “Auto da Compadecida”, de 1955, traz consigo toda a imaginação e riqueza regionais e ecoou pelo Brasil e o mundo ligeiro como rastilho de pólvora. A obra já foi traduzida para seis idiomas, incluindo o polonês. “As pessoas estão na Polônia, leem a obra e se identificam porque o sonho é algo universal”, complementa.

Em 1970, é lançado “O Romance d’a Pedra do Reino”, pedra fundamental do movimento armorial na literatura e que propõe ao público um mergulho pelo Sertão. A obra lembra “Os Sertões” pela odisseia ao Nordeste, mas diferencia-se ao trazer as perspectivas das culturas caboclas, mistura de indígena com negro, e as referências europeias que adentrara o Sertão pela colonização.

O “Romance de Dom Pantero no palco dos pecadores” é outra obra que cumpre um papel decisivo na missão de Ariano, defensor do Nordeste. Trata-se de um testamento literário, que começou a ser escrito em 1981 e só foi concluído em maio de 2014, portanto dois meses antes da morte de Ariano. A publicação póstuma aconteceu em 2016. “Eu entendi a razão pela qual o meu avô não terminou o livro. A cada fato que acontecia, ele ia burilando, acrescentando no livro”, justifica João.

Essa obra, que marca a despedida de Ariano da literatura, combina ficção e autobiografia.  A saga apresenta o autor em diversas versões identificadas sempre por pseudônimos cuja grafia dos nomes começa com a letra A e termina com a letra S. O romance reúne um apanhado das mais diversas linguagens literárias sobre as quais o autor mostrava maestria, sempre descortinando as virtudes do Nordeste.

Encontro de Chico Science, líder da Nação Zumbi, morto em 1997 em acidente de trânsito, e Ariano Suassuna. Foto/ Reprodução blog Cássio Zirpoli
Encontro de Chico Science, líder da Nação Zumbi, morto em 1997 em acidente de trânsito, e Ariano Suassuna. Foto/ Reprodução blog Cássio Zirpoli

Movimento Armorial

 O orgulho nordestino de Ariano rompeu a literatura. Em 1970, ele fundou o Movimento Armorial que conclama a valorização da cultura popular, embrenhada à arte erudita. “O meu avô se incomodava com essa história de que apenas a cultura erudita é importante”, resume o neto. O termo Armorial vem do francês e quer dizer conjunto de armas ou brasões da família. Traduzindo para o movimento citado aqui, seria o mesmo que conjunto de símbolos nordestinos.

Esse movimento resgatou e popularizou a arte nordestina, por meio da rabeca, equivalente ao violino nordestino. O balé popular que assimila tradições locais, diferente do conhecido balé clássico europeu. Mais tarde, nos anos 90, surge em Recife um novo movimento de denúncia das desigualdades sociais. A linguagem usada para passar essa mensagem era composta por sons de tambores africanos acompanhados pela guitarra. Nascia o movimento manguebeat.

Ariano Suassuna reconheceu e apoiou essa iniciativa, que levou a cirandeira Lia de Itamaracá, o rabequeiro Maciel Salú e repentistas sertanejos para grandes palcos de eventos pop. Ainda assim, o dramaturgo não abria mão de protestar. “Meu avô era avesso aos estrangeirismos, então, ele acreditava que Chico não deveria usar Science. Ele o chamava de Chico Ciência”, explica João Suassuna.

Entre os anos 1975 e 1978, foi Secretário de Educação e Cultura do Recife. De 1994 a 1998, atuou como Secretário de Cultura de Pernambuco, cargo que voltou a ocupar, entre os anos de 2007 e 2010, durante a gestão do falecido governador Eduardo Campos. Ariano Suassuna ocupou assentos nas Academias Brasileira, Pernambucana, Paraibana e Taperoaense de Letras. Ele dizia que por essas honrarias havia se tornado imortal, mas que não era imorrível. E assim, em julho de 2014, mais um infarto fez com que ele se encantasse.

Em tempos nos quais a xenofobia, intolerância a pessoas de outras etnias ou de outros estados e nacionalidades, ainda se faz presente em diversos campos da sociedade, a obra de Ariano segue dramaticamente atual.

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Adriana Amâncio

Jornalista, nordestina do Recife. Tem experiência na cobertura de pautas investigativas, nas áreas de Direitos Humanos, segurança alimentar, meio ambiente e gênero. Foi assessora de comunicação de parlamentares na Câmara Municipal do Recife e na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Foi assessora da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e, como freelancer, contribuiu com veículos como O Joio e O Trigo, Gênero e Número, Marco Zero Conteúdo e The Brazilian Report.

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