Crescimento da população e sobrecarga ambiental

Países mais pobres devem liderar aumento demográfico do século XXI

Por José Eustáquio Diniz Alves | ArtigoODS 15Vida Sustentável • Publicada em 10 de julho de 2017 - 18:43 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 23:37

Poluição em Pequim. Foto de Wang Xibao/ Imagine China/ AFP
Poluição obriga pedestres a usarem máscaras nas ruas de Pequim. Foto de Wang Xibao/ Imagine China/ AFP

A Divisão de População da ONU atualizou e divulgou as estimativas e as projeções demográficas do mundo, das diversas regiões geográficas e econômicas e de todos os países, com cenários da dinâmica populacional até 2100 (Revisão, junho de 2017). Hoje, 11 de julho, é o Dia Mundial da População.

As tendências são claras e os números impressionantes. A população mundial que, em 1700, estava em torno de 660 milhões de habitantes passou para 1 bilhão por volta do ano 1800, atingiu 1,6 bilhão em 1900, chegou a 6,1 bilhões no ano 2000, passou para 7,6 bilhões, em 2017, e deve alcançar, na projeção média da ONU, 8,6 bilhões em 2030 e 11,2 bilhões de habitantes em 2100.

A população mundial cresceu 50% no século XVIII, 60% no século XIX, 280% no século XX, deve crescer 84% no século XXI e, talvez, se estabilizar no século XXII. O ritmo de crescimento demográfico aumentou desde os primórdios da Revolução Industrial e Energética e atingiu um ponto máximo no século passado, quando apresentou o maior crescimento percentual da história da humanidade. Atualmente, o ritmo está se desacelerando. Mas em termos de volume, o mundo teve um acréscimo de 4,5 bilhões de pessoas no século XX e deve adicionar outros 5,1 bilhões de habitantes no século XXI. Desta forma, em termos demográficos, o século XX teve o maior aumento relativo e o século XXI terá o maior aumento absoluto.

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Contudo, conforme mostra o gráfico abaixo, há expressivas diferenças na dinâmica demográfica, segundo o grau de desenvolvimento. O grupo de países mais desenvolvidos (de alta renda per capita) tinha uma população de 814 milhões de habitantes em 1950, passou para 1,26 bilhão em 2017 e deve ficar mais ou menos estável, com 1,28 bilhão de pessoas até 2100. O grupo de países menos desenvolvidos (renda média) tinha uma população de 1,5 bilhão de pessoas em 1950, passou para 5,2 bilhões em 2017 e pode atingir 6,7 bilhões em 2100. O grupo de países muito menos desenvolvidos (renda baixa) tinha uma população de 195 milhões de habitantes em 1950, passou para 1 bilhão em 2017 e pode chegar a 3,2 bilhões em 2100.

Arte: Fernando Alvarus

Ainda segundo as projeções da ONU, a população dos países mais desenvolvidos deve atingir um pico de 1,3 bilhão de habitantes, em 2045, e diminuir para 1,28 bilhão em 2100. A população dos países menos desenvolvidos deve atingir um pico de 6,8 bilhões de habitantes, em 2077, e diminuir para 6,7 bilhões em 2100. O Brasil deve crescer até 232,8 milhões de habitantes em 2047 e diminuir para 190 milhões em 2100. Em contraste, os países muito menos desenvolvidos (os mais pobres do mundo) vão crescer de forma exponencial, triplicando de tamanho e tendo um  acréscimo líquido de 2,2 bilhões de pessoas entre 2017 e 2100.

Arte: Fernando Alvarus

Assim, fica claro que o maior crescimento demográfico do século XXI deve acontecer entre as nações mais pobres e com menores direitos de cidadania. Isto ocorre, basicamente, por conta dos diferenciais de fecundidade. As Taxas de Fecundidade Total (TFT), no quinquênio 2010-15 estavam em 2,5 filhos por mulher no mundo, de 1,7 filho por mulher nos países desenvolvidos, 2,4 nos países menos desenvolvidos e 4,3 filhos por mulher nos países muito menos desenvolvidos. As projeções para 2100 indicam TFTs de 2 filhos por mulher no mundo, 1,9 filho tanto nos países desenvolvidos, quanto nos países menos desenvolvidos e 2,1 filhos por mulher nos países muito menos desenvolvidos.

Fosso demográfico

Esses diferenciais confirmam que o mundo vive uma situação caracterizada como fosso demográfico. Cerca da metade da população mundial possui taxas de fecundidade abaixo do nível de reposição (TFT = 2,1 filhos por mulher) e caminha para o decrescimento populacional, com elevado envelhecimento da estrutura etária. A outra metade possui taxas de fecundidade acima do nível de reposição, o que mantém o persistente aumento vegetativo e uma estrutura etária relativamente jovem.

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As altas taxas de fecundidade dos países de baixíssima renda decorrem da elevada percentagem de gravidez indesejada. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que existem cerca de 225 milhões de mulheres em período reprodutivo sem acesso aos métodos de regulação da fecundidade, a maioria na África Subsaariana

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Todavia, a despeito dos diferentes ritmos regionais e socioeconômicos do metabolismo demográfico, na média mundial, a população global vai passar de 7 bilhões de habitantes em 2011, para 8 bilhões em 2023, 9 bilhões em 2037, 10 bilhões em 2055 e 11 bilhões em 2088. A maior parte desse crescimento acontecerá nos países pobres. Somente a África Subsaariana terá um aumento de 3 bilhões de habitantes, passando de 1 bilhão em 2017 para 4 bilhões em 2100.

As altas taxas de fecundidade dos países de baixíssima renda decorrem da elevada percentagem de gravidez indesejada. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que existem cerca de 225 milhões de mulheres em período reprodutivo sem acesso aos métodos de regulação da fecundidade, a maioria na África Subsaariana. A falta de planejamento familiar poderá ser mitigada se a promessa de universalizar o acesso à saúde reprodutiva, proposta nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), for alcançada até 2030.

Evidentemente, quadruplicar a população na África Subsaariana, em 83 anos, colocará desafios hercúleos. A região já está em situação social e ambiental muito difícil e ainda terá que lidar com os efeitos das mudanças climáticas, cujos cenários não são nada promissores para o continente. Para dar dois exemplos: a cidade de Lagos, na Nigéria, a maior do continente, vai perder muita área densamente povoada para a elevação do nível do oceano Atlântico e a perda dos glaciares do monte Kilimanjaro vai diminuir o fluxo de água e contribuir para a crise hídrica.

Nesse mês de julho, o diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o brasileiro José Graziano da Silva, disse que, pela primeira vez em 25 anos, a fome aumentou no mundo, revertendo os sinais claros de melhoria que havia anteriormente. Graziano disse que 60% daqueles que enfrentam a fome hoje estão em países afetados por conflitos armados ou sofrem as consequências das mudanças climáticas, a maioria na África Subsaariana.

Na verdade, o problema é global. O mundo já ultrapassou quatro das nove fronteiras planetárias, segundo o Stockholm Resilience Center. Duas fronteiras, a Mudança climática e a Integridade da biosfera, são consideradas “limites fundamentais” e funcionam como o elo fraco da corrente, que, se rompido, pode comprometer o equilíbrio de Gaia.

Pegada ecológica

A Pegada Ecológica global, em 2013, estava 68% acima da Biodiversidade da Terra. A cada ano, a Global Footprint Network calcula o Dia da Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot Day). Este dia marca o momento em que o sistema de produção e consumo absorveu todos os insumos naturais oferecidos pelo planeta previstos para os 12 meses do ano. O Dia da Sobrecarga da Terra ocorreu em 19 de dezembro de 1987, no dia 01 de novembro do ano 2000, no dia 23 de setembro de 2008 e será no dia 02 de agosto em 2017.

A humanidade tem esgotado cada vez mais cedo a cota apropriada da riqueza natural do planeta. Portanto, no próximo 2 de agosto a economia global sairá do verde do superávit ambiental para entrar no vermelho do déficit ambiental, no decorrer de 2017. No restante do ano, a humanidade estará no cheque especial. Significa que as atuais gerações estarão dilapidando as condições de vidas das demais espécies da comunidade biótica e degradando a saúde dos ecossistemas, comprometendo o futuro das próximas gerações.

Se o quadro atual já é crítico, poderá ficar insustentável com a sobrecarga de 11,2 bilhões de indivíduos, em 2100, pois a humanidade já ultrapassou a capacidade de suporte do planeta. Um novo equilíbrio homeostático só será alcançado com o decrescimento demoeconômico, já que a economia precisa caber dentro dos limites de uma ecologia biologicamente compartilhada. Desta forma, as projeções demográficas da ONU não trazem previsões alvissareiras, pois o excesso de gente, consumo de luxo e lixo, que já causa tantos danos, poderá gerar, em um futuro não muito distante, um colapso ambiental de consequências devastadoras.

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José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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