A volta do Velho Oeste na Amazônia

Se o ritmo do desmatamento não for desacelerado, Brasil corre o risco de perder o título de potência agrícola nos próximos 30 anos

Por Liana Melo | ODS 13ODS 15 • Publicada em 20 de agosto de 2019 - 09:43 • Atualizada em 20 de agosto de 2019 - 16:14

Incêndios florestais na Amazônia, praga que se repete anualmente com aumento da grilagem e do desmatamento (Foto Marizilda Cruppe/Greenpeace)
Incêndios florestais na Amazônia, praga que se repete anualmente, estão em ritmo acelerado em 2019 com aumento de grilagem e desmatamento. (Foto Marizilda Cruppe/Greenpeace)

As sinalizações emitidas pelo Planalto dão conta de que o Velho Oeste está de volta, desta vez na Floresta Amazônica. O desmatamento não para de crescer – só em julho, ele aumentou 278%, segundo o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), e, no último sábado 17, fazendeiros do Pará instituíram o “dia do fogo” e incendiaram pastos e áreas em processo de desmate. Se o ritmo de derrubada da floresta não for desacelerado, o país corre o sério risco de perder o título de potência agrícola mundial, nos próximos 30 anos. O alerta foi feito pelo climatologista e pesquisador brasileiro Carlos Nobre, ontem, na abertura da Semana do Clima da América Latina e Caribe 2019, em Salvador – evento preparatório da Conferência do Clima da ONU, a COP 25, que vai ocorrer no Chile, em dezembro.

Caso o desmatamento chegue a 50% da floresta, diz Nobre, a Amazônia atinge seu ponto de ruptura: “Estamos alterando vários aspectos, como temperatura, fertilidade do solo, aquecimento dos oceanos, elevação do nível do mar, degelo do oceano ártico. Tenho esperança que o Acordo de Paris possa resolver essa situação climática”. Três quartos das emissões brasileiras vêm do uso da terra, o que coloca o país na posição de sexto maior emissor de gases de efeito estufa. O interesse pelo encontro, que não tem poder decisório,  superou as expectativas: eram esperadas 3 mil pessoas, mas a reunião contou com 5 mil inscritos, entre representantes dos governos locais, agência multilaterais, organizações do terceiro setor e acadêmicos.

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Dos cerca de 1 milhão de Km² de área da Amazônia já desmatados, 800 mil estão no território brasileiro. Exploração de madeira (a maior parte ilegal), pecuária, agricultura e mineração estão por trás do desmatamento na região. Ainda é cedo para afirmar se o Brasil conseguirá ou não cumprir com os compromissos, ou metas voluntárias, assumidos durante a Acordo de Paris – o maior tratado já firmado a favor do combate às mudanças climáticas e pela estabilização da temperatura no planeta. “Ainda há tempo”, defende Nobre, chamando atenção, que, no entanto, o ritmo está muito lento. “Estamos notando um movimento anticiência, mas o fato de alguns ignorarem a ciência não quer dizer que o problema desaparecerá”, cutucou.

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Estamos notando um movimento anticiência, mas o fato de alguns ignorarem a ciência não quer dizer que o problema desaparecerá

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Se dependesse do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o encontro sequer estaria ocorrendo. Ele chegou a cancelar a reunião em maio último, logo que o presidente Bolsonaro anunciou a desistência de o país sediar a COP-25 — um recuo que tira do país um protagonismo nas discussões climáticas construído pela diplomacia brasileira, setor privado e organizações do terceiro setor, nas últimas duas décadas. “O Brasil exerceu um papel fundamental no acordo do clima”, lembra André Guimarães,  diretor da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM)

Ontem, na abertura do encontro, esteve presente a coordenadora-geral de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia, Ana Luiza Champloni. Ela participou de um debate sobre precificação de carbono: “O governo vê o mercado de carbono como uma alternativa mais viável para se precificar o carbono do que a taxação”. Dada a postura errática e negacionista do governo quanto às mudanças climáticas, a declaração oficial deixou dúvidas se era uma posição pessoal ou institucional. A criação de um mercado de carbono é um tema polêmico e um dos grandes desafios das negociações globais.

Gado convive de forma harmoniosa com a floresta de eucalipto em fazendas que adotam sistemas integrados de lavoura-pecuária-floresta (ICLFS). Foto de Simone Marinho

O país se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal até 2030, reflorestar 12 milhões de hectares de florestas e restaurar mais 15 milhões de hectares de pastagens degradas até 2030 e a melhoria de 5 milhões de hectares de sistemas integrados de lavoura-pecuária-floresta. Esse conjunto de medidas faz parte da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) dos países, que, no caso brasileiro, significou o compromisso de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 43% em relação ao nível registrado em 2005.

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Somos uma potência ambiental e é impossível pensar no futuro do planeta sem levar em conta os rios, as florestas e a biodiversidade brasileira. E para isso temos metas claras – cumprir o Código Florestal, alcançar o desmatamento ilegal zero na Amazônia brasileira e restaurar 12 milhões de hectares de florestas

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Duas iniciativas vêm ajudando o país cumprir as metas do Acordo de Paris – ainda que não sejam suficientes, dado que o principal telhado de vidro é o acelerado desmatamento da Amazônia. O Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo do Brasil (MapBiomas), que surgiu em 2015 com o objetivo de contribuir para o entendimento da dinâmica do uso do solo no Brasil e em outros países. O outro projeto é Caminhos da Semente, que visa  disseminar e alavancar a adoção da semeadura direta, que é uma técnica de baixo custo e alta eficácia, para a restauração florestal no Brasil.

“Somos uma potência ambiental e é impossível pensar no futuro do planeta sem levar em conta os rios, as florestas e a biodiversidade brasileira. E para isso temos metas claras – cumprir o Código Florestal, alcançar o desmatamento ilegal zero na Amazônia brasileira e restaurar 12 milhões de hectares de florestas”, diz Renata Piazzon, gerente do programa Mudanças Climáticas, do Instituto Arapyaú.

Um dos objetivos do encontro em Salvador é, justamente, aumentar a ambição das metas voluntárias dos país. É que as atuais NDCs levariam a um aquecimento entre 2,7 e 3,7 graus Celsius, e o compromisso assumido na conferência do clima de 2015, era que os países mantivessem o aquecimento abaixo de 2 graus Celsius. Entre o grupo do G-20, a Argentina foi o único país que, até agora, já se comprometeu a rever seus compromissos, assumindo metas mais arrojadas. Dois outros países que sinalizaram a possibilidade de adotar mais ambição para enfrentar a crise climática: México e a África do Sul. Do Brasil se espera pouco ou quase nada.

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Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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