Com as mãos, Ishtar tenta aquecer um bebê em um centro social de acolhimento para desabrigados em Milão, norte da Itália. Naquela manhã de inverno, a temperatura era de 3 ºC negativos. Talvez sejam os últimos dias de Ishtar ali. O refugiado afegão de 23 anos em breve será recebido na casa de uma família italiana. A prefeitura de Milão abriu um edital no início de 2016 anunciando que pagará 350 euros mensais às famílias que receberem em casa um refugiado. E 40 famílias abriram suas portas.
Somente refugiados cadastrados e identificados pela polícia, com documentos que garantem a proteção internacional, serão contemplados. Os recursos são do Ministério do Interior italiano através do Fundo Nacional para as Políticas e Assistência de Asilo Político. Milão, o coração econômico e financeiro da Itália, desde 2001 faz parte do Sistema de Proteção para os Pedidos de Asilo e Refugiados (SPRAR). O custo diário de manutenção de um refugiado em uma família será de 11 euros, uma economia de 70% diante dos 35 euros que são gastos em uma centro de acolhimento estatal. Em fevereiro, cinco imigrantes já irão para suas novas casas provisórias.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Temos a convicção que essa experiência vai abrir uma nova estrada para o futuro, acrescentando mais um tijolinho no mosaico de iniciativas que Milão está propondo para o acolhimento e a inclusão social dos migrantes
[/g1_quote]Nos últimos anos, diante dos desembarques de milhares de refugiados e imigrantes na costa italiana, o partido Liga Norte, de extrema direita, lançou o provocativo slogan “Ospitateli a casa vostra”, ou seja, algo como “Hospedem eles na sua casa”, dirigindo-se aos políticos de esquerda que demonstravam preocupação com a emergência migratória. E o que era só provocação virou verdade. “Estamos felizes em anunciar que quarenta famílias estão realmente dispostas a receber os refugiados na própria casa”, declarou o assessor de Políticas Sociais de Milão, Pierfrancesco Majorino. “Temos a convicção que essa experiência vai abrir uma nova estrada para o futuro, acrescentando mais um tijolinho no mosaico de iniciativas que Milão está propondo para o acolhimento e a inclusão social dos migrantes”.
Uma comissão de assistentes sociais e a Cooperativa Consorzio Farsi Prossimo vão avaliar as famílias inscritas, todas residentes em Milão, com idade entre 30 e 50 anos, a maioria com filhos em idade escolar e residentes em várias zonas da cidade. Três famílias são de origem estrangeira. Um psicólogo avaliará as motivações, expectativas e disponibilidade dos vários componentes da família e a idoneidade dos candidatos beneficiados pelo acolhimento. As famílias com experiência anterior em receber pessoas em situação de risco social terão prioridade e devem ter um quarto individual para o hóspede e garantir o uso livre do banheiro, ou até mesmo um banheiro exclusivo.
O jornal italiano de direita Libero atacou: “Venham, senhoras e senhores, a quem hospeda um belo refugiado político na própria casa com banheiro e curso de formação a prefeitura paga 350 euros!” De acordo com o jornal, essa é uma ação populista visando as próximas eleições administrativas.
Apesar das críticas, em Milão, todos os dias, entre 9 e 12h, 70 voluntários se revezam recebendo os refugiados que chegam à estação de trem antes que sejam registrados e enviados aos centros de acolhimento (Centri di Accoglienza Straordinaria – CAS). Eles também acompanham os imigrantes que decidem pegar um trem em direção ao norte da Europa, muitos tentando reencontrar familiares ou amigos. “A única compensação que buscamos é um “shukran” (obrigado)”, afirma Susy Iovieno, participante do grupo SOS Emergenza Rifugiati Milano (https://soserm.wordpress.com), que atua em conjunto com a administração municipal, a polícia e a proteção civil. Eles não recebem dinheiro, mas aceitam contribuição de lanches para os imigrantes que estão chegando. Mohamed é um refugiado sírio de 28 anos que foi encontrado boiando no mar, depois que o barco onde viajava foi atingido por uma tempestade. “Quando ele chegou aqui e lhe dei um sanduíche, ele segurou minha mão e disse obrigado. E esse obrigado dele é algo que pessoalmente não me esquecerei jamais.”
O Refugees Welcome, que iniciou na Alemanha (https://projetocolabora.com.br/cidades/alemanha-recebe-refugiados-a-faca-e-garfo/), também chegou na Itália (RWI – http://refugees-welcome.it) e está se espalhando pela Europa. A proposta também é receber na própria casa os imigrantes. “Os refugiados podem ser hospedados pelos cidadãos e não apenas nos centros, que já estão superlotados e são impessoais e não acolhedores”, explica a fotógrafa Germana Lavagna, fundadora da RWI e que desde pequena foi acostumada ao acolhimento doméstico como tradição familiar. “As famílias que recebem os imigrantes têm a oportunidade de conhecer uma cultura diferente e ajudar concretamente alguém que está passando por dificuldades.”
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Veja o que já enviamosQuantas pessoas vivem na casa? Quais línguas falam? Em que cidade moram? As respostas são usadas para tentar criar uma correspondência entre os hóspedes e quem os acolhe. E se a convivência não dá certo? A ONG se responsabiliza em transferir o hóspede. Não somente famílias são habilitadas a receber os imigrantes, casais ou solteiros podem se candidatar. A diária oferecida pelo governo italiano, além de comida e alojamento, prevê cursos de italiano, assistência legal para o pedido de asilo político, projetos de inclusão social.
“Somente construindo redes sociais é possível dar vida a uma política eficaz e sustentável de acolhimento”, afirma o sociólogo Matteo Bassoli, presidente da RWI. Para a jornalista Fabiana Musicco, também fundadora de RWI, “é necessário contribuir para aumentar a consciência, em especial nas novas gerações, em relação aos grandes desafios sociais, estimulando a vontade de agir”.